O Universo, como já foi observado anteriormente, é um lugar desconcertantemente grande, fato este que pelo bem de uma vida tranquila a maioria das pessoas tende a ignorar.
Muitos se mudariam contentes para lugares consideravelmente menores em suas próprias redondezas, e é aliás o que de fato a maioria dos seres faz.
(Douglas Adams. O Restaurante no Fim do Universo)
Dia desses, houve uma separação.
Um casal de atores famosos se divorciou.
Emitiram notas para a imprensa, pediram privacidade nesse momento difícil, o rolê todo ficou muito complicado. Houve acusações, pivôs de divórcio, troca de indiretas online, deslikes, textões, gente se desseguindo, milhões de comentários que não deveriam ter sido lidos, mas foram. Análises complexas de como o Instagram molda a vida das pessoas famosas e pode causar o caos na existência de personalidades.
Dia desses, houve uma outra separação.
A minha.
Não teve nada disso.
Nem notas de imprensa, nem um rolê muito complicado. Não houve acusações, troca de indiretas. Algumas coisas todas as separações devem ter em comum, é verdade, mas, de modo geral, a minha separação foi muito menos badalada do que aquela que acontecia a todo vapor no twitter, no Instagram e no facebook — embora ninguém mais use o facebook.
Mas, tendo acontecido na minha vida, essa outra separação causou muito mais comoção nas pessoas ao meu redor do que a separação dos atores famosos.
Teve até um momento em que pensei em fazer uma nota para a imprensa pedindo privacidade.
Só que isso não existe. Isso de privacidade.
E às vezes desconfio que também não existe isso de ser adulto e se separar sem holofotes, mesmo que sejam só os holofotes das pessoas ao seu redor.
Não sei se era o caso da separação dos atores, mas na minha separação, que foi pensada, estudada e calculada, a ideia era não causar sofrimento pra ninguém.
Mas é difícil.
Dizem que cem por cento dos divórcios acontecem em casamentos. E parece que é isso mesmo: os casamentos que acabam precisam ter começado. E a gente — sendo ator famoso ou não — lida muito mal com coisas que começaram terminando. Com o tamanho real das coisas. Ou com as coisas em si.
É. Via de regra, a gente lida muito mal com as coisas.
Eu, que faço parte da estatística de lidar mal com as coisas, encontro um pouco de conforto nas palavras de Douglas Adams. É, no fim do dia, o meu jeito de lidar (mal) com as coisas que começaram e agora terminam.
E volta e meia me pego pensando no planeta Oglaroon. É que lá nesse planeta florestal, que fica num canto do Braço Oriental da Galálxia, acontece algo curiosíssimo: toda a população que habita aquele pedaço de terra vive apertada dentro de uma nogueira pequena.
Dentro de tal arvore nascem, vivem, apaixonam-se, entalham em sua casca minúsculos artigos especulando sobre o sentido da vida, a futilidade da morte e a importância do controle de natalidade, combatem em algumas guerras de pequena importância, e eventualmente morrem pendurados sob as ramagens de alguns dos galhos exteriores mais inacessíveis.
E veja que curioso o que acontece com alguns rebeldes habitantes daquele pedaço de terra (digo, de árvore):
De fato, os únicos oglaroonienses que chegam a deixar sua árvore são aqueles que são atirados fora dela pelo abominável crime de imaginar se alguma das outras árvores poderia ser capaz de comportar vida, ou mesmo se as outras árvores são algo além de ilusões provocadas por comer ogla-nozes demais.
E “por exótico que possa parecer este comportamento, não há uma única forma de vida na galáxia que não possa de algum modo ser acusada da mesma coisa”.
Minha separação aconteceu. Meu casamento, que começou, também terminou. Não há um culpado, um motivo específico, um vilão.
A separação dos atores famosos aconteceu também.
As coisas acontecem.
Tudo que acontece, acontece.
Tudo que, ao acontecer, faz com que alguma outra coisa aconteça, faz com que outra coisa aconteça.
Tudo que, ao acontecer, faz com que ela mesma aconteça de novo, acontece de novo.
Isso, contudo, não acontece necessariamente em ordem cronológica.
(Douglas Adams. Praticamente Inofensiva)
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