Renan fez suco de laranja natural ontem. E o jantar. Pediu pra eu passar comprar batata palha, porque – deve ser mágica – quando ele vai fazer o jantar e eu ainda estou na rua, sempre falta alguma coisa. Quando cheguei, notei que ele tinha mandado lavar o carro, tinha dado uma arrumada na casa e estava terminando de fazer strogonoff.
Posso identificar vários motivos pra isso tudo: a) ele perdeu a chave do carro no fim de semana e ainda não achou; b) hoje é meu aniversário; c) ontem ele teve um dia tranquilo, uma aula que acabou mais cedo. Mas na verdade, apesar de ser por tudo isso, não é nada disso, também.
Quando fomos morar juntos, eu não fazia ideia de como fazer muitas coisas dentro de uma casa. Tinha noções (bem) básicas, claro, mas nunca tinha morado sem meus pais antes. A primeira vez que fui botar as roupas pra lavar, por exemplo, eu estava tão nervosa que coloquei a roupa pra dentro, liguei a máquina e meio que saí correndo. Demorei um tempo até perceber que tinha esquecido de colocar sabão em pó.
E olha que antes de me mudar, tive um mini curso sobre essas coisas. Sabão em pó, amaciante, arroz, água sanitária, quando fazer compra do mês e quando fazer compra da semana. Mas são coisas que não têm muita teoria. Você precisa aprender fazendo. Percebendo que esqueceu de colocar o sabão em pó quando a máquina já está no meio do ciclo.
Porque tinha muito mais experiência que eu na largada, Renan tomou a frente de alguns departamentos, tipo a cozinha. Ele até tentou assumir a lavanderia, mas foi devidamente interditado daquela área da casa quando misturou coloridas e brancas. E também foi banido do Departamento de Passar Roupas quando quebrou nossa mesa de vidro com o ferro quente. Aliás, o Departamento de Passar Roupas aqui em casa tá vazio desde esse evento. Nunca aprendi, nunca aprenderei. Renan sabe passar, mas prefere não (não posso imaginar o motivo).
Mas a cozinha sempre tinha sido dele. É que ele faz as melhores comidas do universo. Ele tem alguma coisa de naturalidade ao cozinhar. Não sei se é bem essa a palavra. É naturalidade, mas também é caos, subversão. Um fazer meio descompromissado, como se ele estivesse só engatando um ingrediente no outro, sem pensar muito. Não sei explicar.
Ele vai meio que misturando as coisas sem regras, sem receitas, sem medidas e, no final, é perfeito. A cozinha está na mais absoluta desordem, mas o prato é perfeito. Eu acho meio mágico. Sou bastante metódica e tenho dificuldade em mudar uma vírgula de qualquer receita, demoro horas (não é licença poética) pra fazer a preparação dos ingredientes e cortar tudo em cubinhos. Acho fantástico os recursos que Renan tem pra tirar um jantar do nada em vinte minutos.
Mas há um ano, mais ou menos, eu roubei a cozinha. Aprendi a cozinhar. Fazer arroz, mexer com carnes, gerenciar três panelas no fogo. A usar uma panela de pressão. Fazer feijão. Tudo muito adulto, muito responsável. E tenho cozinhado mais desde então. Tenho dias da semana específicos pra atividade, faço comida pra gente levar de almoço, tento preparar mentalmente um cardápio variado, essas coisas. Gosto disso. Não faço porque é obrigação, faço porque aprendi e porque pode me acalmar.
Na nossa casa, a gente não tem uma escala. Nunca precisamos colocar na porta da geladeira quem faz o quê, mas tentamos ser justos na divisão das tarefas de acordo com as habilidades de cada um e com o que precisa ser feito. E isso passa longe do perfeito. Já brigamos, por exemplo, por causa de grampos no varal – eu tenho uma obsessãozinha com as cores dos grampos e meu varal color-coded é prioridade, não importa se a gente já deveria ter saído pra um aniversário qualquer.
Mas eu duvido que em alguma casa isso seja perfeito. É complicado dividir a vida. E é na divisão de verdade que essa tarefa ganha contornos ainda mais complexos. Cuidar da casa requer uma quantidade maluca de um tempo que geralmente a gente não tem. E são atividades que sugam, quando você vê, já é meia-noite e você não fez nada, embora tenha passado o tempo todo fazendo alguma coisa. E a casa não é de um ou de outro. A casa é de quem mora nela.
E às vezes a gente percebe que tem um mais sobrecarregado que o outro. Mas, quando a gente identifica isso, tentamos corrigir o fluxo, porque sabemos que somos só nós dois. No fim do dia, somos sempre só nós dois. Ninguém vai chegar aqui e colocar nossa roupa pra lavar com o amaciante certo, pendurar as roupas em ordem alfabética e deixar a comida da semana toda pronta. Não tem milagre. É a gente que faz a mágica acontecer. Mesmo que pra isso precise pedir um ingrediente que faltou pra quem ainda não chegou.
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