Sabe esses filmes em que os personagens trocam de identidade?
Sempre detestei.
Que coisa mais idiota esse argumento, pensava. Não dá pra comprar uma história assim. Não há supressão da descrença, essa expressão maravilhosa que aprendi num curso de cinema uma vez, que resista. Nem eu, que prefiro filmes de explosão, sou capaz de cair nessa conversa.
Daí veio a vida.
Tenho experimentado – pra pagar a língua, diria minha mãe – essa exata sensação. Eu e Renan estamos vivendo um momento esquisito. Ele, ansioso. Eu, prática. Ele, paralisado. Eu, em movimento. Ele, mergulhado em dúvidas. Eu, bom, também, mas ao mesmo tempo sendo, acredite se quiser, assertiva.
Esquisito. Esquisitíssimo.
Não sei como chegamos aqui, nessa situação tão Tony Pires e Glória Ramos, ele sendo eu, eu sendo ele, mas esses dias me dei conta desse absurdo. E foi assim, justo na hora em que o tal absurdo acontecia. No ato. Peguei no ar, algo que também não costumo fazer – tenho um histórico de refletir demoradamente sobre tudo.
Ele me mandou uma mensagem aleatória sobre como estava se sentindo naquele momento do dia, um meio de manhã de uma quarta-feira qualquer. A espera pega, disse o homem, às dez e quarenta e dois. É impossível ter energia pra tudo, para todas as possibilidades. E aí eu entendi tudinho.
Entendi que ele era eu.
Entendi que eu estava experimentando, na prática, como era ser casada comigo.
Vocês já pensaram nisso?
Eu já. Várias vezes me peguei teorizando sobre como deveria ser casada comigo mesma. E minhas teorias sobre isso nunca foram lá muito boas. Me conheço o suficiente pra saber que encarar um casamento comigo é um job – agora que sou a pessoa de comunicação do meu casamento me permito empregar essa expressão tão do marketing aqui.
Lembro que, quando eu e Renan estávamos no começo do namoro e o facebook ainda era um lugar legal, várias listas do tipo “doze motivos para casar com um publicitário” circulavam. E lembro, também, que não havia muitas listas (nenhuma) com bons motivos para casar com advogados e/ou historiadores.
Mas nem é muito por isso que ser casado comigo é essa lista de to-dos toda. Eu teorizo. Teorizo absolutamente tudo. Quando a gente era amigo, Renan me fez um cartão de aniversário que dizia: “Marta tem uma teoria até para andar três quadras”. Era meu aniversário de dezessete anos. Como o vinho, quase treze anos mais tarde, virei vinagre.
Também costumo não falar. Mergulho nos meus universos paralelos de teorias sobre tudo e fico lá. Submersa. Quase como se houvesse entre minha cabeça e o mundo real uma cidade medieval murada – acabaram minhas referências de comunicação aqui e eu apelei para a carteirada histórica.
E duvido. De tudo. Das teorias, do silêncio, de mim, dos outros, de tudo que está acontecendo, de tudo que pode acontecer, de coisas que existem, de coisas que não existem. Duvido, duvido, duvido. Duvido até das próprias dúvidas. É muito louco.
Teorizo. Silencio. Duvido. Repito.
E, naquele dia que trocamos aquelas mensagens, eu tive a chance de conversar – no mundo real – comigo mesma. Renan teorizou. Silenciou. Duvidou. Repetiu. E aí me peguei pensando que essa experiência poderia, no fim das contas, render algum aprendizado.
Casar é uma experiência difícil. É complexo. Você precisa fazer esforços, concessões, arranjos. Já falamos muito sobre isso aqui, sobre como cada dia é um salto de avião diferente. Tudo isso porque envolve você – que é feito de você mesmo, coisas que acredita, valores que tem e tudo mais – e uma outra pessoa – que é feita dela mesma, também.
Mas aí, numa quarta-feira aleatória, em que você se pega vendo como casar com você pode ser mais louco do que casar com outra pessoa, vale pensar que, poxa. Do outro lado da ponta do casamento também há uma pessoa. Uma pessoa com todo esse pacote de vida que é ser ela mesma. Com toda uma lista de to-dos particular.
E que te aguenta, mano. Que escolhe te aguentar.
Seja legal com essa pessoa.
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